Pandemia, quarentena, isolamento, recessão. Recessão? Não para todo mundo! Alguns mercados prosperaram apesar da crise, outros prosperaram por causa da crise. O mercado imobiliário surfou nas duas ondas, crescendo apesar e por causa da crise, pois uma série de fatores conspiraram a favor. Apesar de os estandes de vendas terem ficado fechados por meses, as obras não precisaram parar, mesmo no auge da quarentena. Assim, uma boa estratégia de marketing digital, e vendas online seguraram a barra mesmo nos momentos mais duros. O movimento de queda das taxas de juros, que já vinha ocorrendo gradualmente desde 2017 por conta do controle da inflação se radicalizou com a crise da COVID-19, levando a SELIC a patamares nunca antes vistos, permitindo a oferta de crédito a taxas muito menos proibitivas. E por fim, a classe média trancafiada em casa pode perceber que seu orçamento familiar, com gastos quase zerados em lazer, vestuário, tinha espaço para assumir um financiamento imobiliário.
ENTÃO, VAMOS COMPRAR FINANCIADO?
Quem me conhece, sabe que não me oponho à aquisição de imóvel próprio, mesmo não sendo, financeiramente, a melhor escolha. Possuir o lugar onde mora, para muitos, representa uma sensação de segurança que dinheiro na conta não proporciona. Mas sempre tive sérias restrições à compra financiada. Entrar em um financiamento imobiliário significa pagar aluguel sobre o dinheiro emprestado, para deixar de pagar aluguel sobre o apartamento alugado. Sempre defendi que implementar um bom plano de investimento para comprar à vista o seu imóvel é muito melhor do que entrar em uma dívida. Mas existem situações em que a compra financiada pode ser uma alternativa aplicável. Às vezes, surgem oportunidades de negócio irrecusáveis em momentos em que não temos o capital necessário para aproveitá-las, sendo preciso recorrer ao crédito. Outras vezes, nos vemos diante de encruzilhadas, como um reajuste absurdo na renovação do aluguel, ou o pedido de devolução de um imóvel. Nessas horas, pensar em um financiamento imobiliário pode ser aceitável.
Mas, tomada a decisão de assumir uma dívida, as dúvidas se multiplicam. Como fazer? Qual modalidade de financiamento escolher? Qual prazo é melhor? Bem, vamos por partes.
PENSANDO NO PRAZO DO FINANCIAMENTO
Em primeiro lugar vamos pensar no prazo do financiamento. Hoje, podemos financiar um imóvel em até 30 anos, mas será que essa é a melhor escolha? Nem sempre. Na ponta do lápis, se pensarmos em um crédito de R$ 500 mil, escolher quitar em 20 anos significa uma prestação média de R$ 4.227. Se a opção for pela tabela Price, a prestação é linear. Pelo sistema SAC (amortização constante), a prestação começa mais alta, terminando menor, mas a média é a mesma. Ao optar por aumentar o prazo para 30 anos (50% a mais de prazo), a prestação diminui para R$ 3.782, uma redução de apenas 10% na parcela. Isso acontece porque os juros compostos exercem um efeito cruel ao longo do tempo. Uma dívida de R$ 500 mil, em 20 anos, se transforma em R$ 1.126 mil, e em R$ 1.461 mil em 30 anos.
Então, temos a primeira resposta: quanto menor o prazo, menos custará o seu imóvel. Portanto, escolha a prestação mais próxima do seu limite orçamentário, mesmo que isso signifique enxugar o seu orçamento de gastos desnecessários por algum tempo. Só não vale optar por prestações acima do que a família pode suportar, apenas para reduzir o prazo, pois a perda de qualidade de vida pode levar a um sofrimento que economia nenhuma justifica. Cuidado!
E O SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO?
Aqui, a coisa fica um pouco mais complicada. Em primeiro lugar, um aparte: todos os financiamentos são reajustados anualmente pela TR (Taxa Referencial), que está zerada há anos, mas nada impede que ela volte a ser positiva em algum momento. Hoje, temos duas opções: sistema Price e SAC. Pela Tabela Price, todas as prestações são iguais, da primeira à última. Então usando o mesmo exemplo de antes, um financiamento de R% 500 mil em 20 anos terá 240 prestações de R$ 4.227 pela tabela Price, e prestações decrescentes pelo sistema SAC, começando em R$ 5.300 e terminando em R$ 2.200.
Assim, a escolha se torna mais personalizada. Se você tem a forte percepção de que, no futuro, seus ganhos serão maiores do que hoje, talvez a Tabela Price faça sentido. Se você prefere que as prestações pesem cada vez menos no seu orçamento, e a prestação inicial cabe no seu orçamento. O Sistema SAC pode ser mais indicado.
AINDA TEM A INDEXAÇÃO?
Se você optou pelo Sistema SAC, chegou a hora de escolher o indexador. Antes, a única opção era a taxa pré-contratada, atualmente em 7% ao ano. Esse ano, com a redução das taxas de juros, os grandes bancos começaram a oferecer alternativas. O mutuário pode escolher indexar suas prestações ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que é o medidor oficial da inflação no Brasil, e com isso, reduzir a taxa de juros aplicada à dívida. No entanto, dívida será recalculada, a cada ano, pela inflação acumulada nos 12 meses anteriores. Outros bancos têm oferecido o mesmo, mas usando como indexador o rendimento da Poupança. O mecanismo é o mesmo, só muda o indexador.
NA PRÁTICA
Como já vimos antes, pela tabela Price, aqueles R$ 500 mil virariam 240 prestações de R$ 4.227. Pelo Sistema SAC tradicional, a primeira parcela seria de R$ 5.300, e a última, de R$ 2.200. Se indexarmos pela Poupança, como a taxa de juros será de 5,4% e não de 7% ao ano, a primeira prestação será de R$ 4.500, caindo a cada mês, até os mesmos R$ 2.200 na última parcela. Se optarmos pelo IPCA como indexador, a prestação inicial será menor ainda, pois a taxa de juros cairá para 4,9% ao ano, apenas R$ 4.200. A prestação final não muda.
Então, a escolha é fácil, certo? Nem tanto... Não existe almoço grátis, alguém tem que pagar a conta, e não pense que os bancos topam ficar com ela nas mãos. Se a escolha for pelo IPCA como indexador, enquanto a inflação ficar baixinha, como está hoje, além dos juros contratados, suas prestações sofrerão um reajuste de 3 ou 4% a cada ano. Se houver um repique inflacionário, isso pode mudar, fazendo com que as prestações fiquem mais altas a cada ano. Com isso, ninguém garante que a última prestação será mesmo de R$ 2.200. Se, ao longo de 20 anos, a inflação anual média for de 3,53% ao mês, mais ou menos o que é hoje, a acumulada chegaria a 100%, e a última prestação seria de R$ 4.400, maior do que a primeira. Uma inflação de 5% ao mês levaria a última prestação a R$ 5.830.
Se a opção for pela Poupança como indexador, a Taxa SELIC entra em cena. Como a Poupança rende atualmente 70% dessa taxa, hoje em 2% ao ano, hoje parece tudo de bom. Mas sabemos que essa taxa representa rentabilidade negativa, as chances de ela permanecer por muito tempo são nulas. O normal é que ela seja um pouquinho mais alta que a inflação, sendo assim um bom motivador para a população poupar. Portanto, passada a pandemia, a SELIC deve subir. Muitos economistas acreditam que uma taxa razoável para um país emergente, com inflação sob controle, fica entre 5 e 6% ao ano. De toda forma, a Poupança tem um limite, que é o de 0,5% ao mês, ou 6,17% ao ano. Mesmo que a SELIC suba a 0 ou 15% ao ano, a Poupança não pode ultrapassar o seu limite. Ainda assim, a última prestação, 20 anos depois, no limite, pode chegar a absurdos R$ 7.282.
RESUMO DA ÓPERA
Então, muito cuidado na escolha do indexador. Quando a esmola é muita, o santo desconfia. Escolher uma prestação menor só faz sentido se o prazo contratado for curto. Assim, dá para confiar que o cenário econômico não venha a sofrer grandes mudanças. Quanto maior o prazo do financiamento, maior a probabilidade de o imponderável começar a agir, para o bem ou para o mal. Pense nisso...