NÃO ADIANTA DOURAR A PÍLULA. DÍVIDA NÃO É INVESTIMENTO

por:
Ricardo Schwalfemberg

19 de Setembro de 2021

Dicas e Decisões

Quem casa, quer casa. É esse o ditado, certo? E eu concordo inteiramente com ele. Se existe uma fórmula para o fracasso de um casamento, é casar e ir morar com a sogra. Todo casal precisa de sua privacidade, para construir uma relação saudável, e para desenvolver o seu próprio estilo de vida. Mas isso não quer dizer que casar precise ser sinônimo de se meter em uma dívida por 20, 30, 35 anos. O financiamento imobiliário não fica muito atrás no ranking dos sabotadores de casamentos.

Para tentar dourar a pílula, os defensores da dívida própria defendem o que chamam de casa própria de investimento. Desculpe, mas não é. É dívida, mesmo. E as diferenças são evidentes. Em um investimento, é você quem decide o quanto vai investir mensalmente. É um ato voluntário. Ao investir, seus recursos rendem juros para você, e você decide qual é o melhor momento de transformar o montante investido em patrimônio. E por ser fruto de uma decisão pessoal e voluntária, pode ser suspenso ou interrompido sempre que necessário. Um imprevisto que se imponha pode ser contornado pela redução do investimento mensal por algum tempo. Da mesma forma, um aumento nas receitas permite ao investidor aumentar os aportes mensais, pontual ou recorrentemente.

Já a dívida tem outra dinâmica. Ao “adquirir” um bem financiado, esse bem fica alienado fiduciariamente, funcionando como garantia de quitação para o credor. As prestações, ao contrário do investimento, passam a ser compulsórias e fixas, e os juros não serão creditados, mas cobrados do devedor. Ou seja, a rentabilidade é do agente financeiro, e não do investidor. Se formos analisar mais a fundo, quem está investindo é o agente financeiro, que aplica seus recursos em um crédito privado, de renda fixa, com juros apetitosos, e garantia estabelecida pelo bem alienado. Se o devedor não pagar os “juros” e a amortização, o credor toma para si o bem posto em garantia.

Por esse ponto de vista, na prática, quem “compra” um imóvel financiado, na verdade está substituindo o ato de alugar um imóvel pelo de alugar dinheiro, para, com ele, fazer de conta que está comprando o imóvel. Mas veja, alugar um imóvel, em cidades como São Paulo, dificilmente custará mais do que 0,5% do valor desse imóvel ao mês, o que dá pouco mais de 6% ao ano. Dificilmente se conseguirá alugar dinheiro por essa taxa, o que significa que o financiamento imobiliário custará mais caro que o aluguel. Então, por que não morar de aluguel por algum tempo, enquanto põe em prática um bom plano de investimento, para comprar, à vista, o seu imóvel depois e algum tempo?

Mas eu entendo a decisão de apelar para o financiamento. Vivemos em um País com forte histórico patrimonialista. Herdamos de nossos antepassados a ideia de que tijolo é mais sólido que dinheiro, e gera mais segurança para a família. Por isso a noção de que, mesmo sendo uma dívida, seria um investimento. Eu respeito essa postura, mas recomendo então cautela nas escolhas. Em meus anos como Planejador Financeiro Pessoal, já perdi a conta de quantos casais, ao se casarem, decidem por dar um passo maior do que a perna. Baseados na premissa de que a casa própria é uma escolha definitiva, decidem partir para um imóvel muito maior do que as necessidades de um casal recém-casado indicariam, sob o falso pretexto de que o sacrifício de agora reverterá em conforto para uma família maior depois. Com isso, assumem prestações pesadas, quase punitivas, durante grande parte de seu início de vida a dois, roubando qualidade de vida.

Pra que comprar um apartamento de três, quatro dormitórios para um casal recém-casado? Pra que pagar mais IPTU, condomínio, seguro, contas de consumo, decoração, manutenção? Sem contar os juros maiores, e provavelmente um prazo maior de financiamento. Taí outra fórmula segura de fracasso de um casamento: gastar tanto com um imóvel de que não precisa, que não consegue curtir o início de vida a dois que teriam direito.

Pense bem: faz sentido um cara solteiro comprar um SUV de sete lugares porque pretende se casar e ter quatro filhos? Não seria melhor que o crescimento da família fosse acompanhado do aumento da capacidade do carro? O mesmo serve para a moradia. Um apartamento menor para um casal daria menos despesas, menos trabalho, e menos dívidas, podendo reverter essa economia em diversão, em investimento, e em qualidade de vida.

E, para os que já entraram nessa roubada, e estão sofrendo as consequências dessas escolhas, meu conselho é não ter medo de dar um passo atrás. Ele pode representar dois à frente no futuro. Passe a régua, corte o mal pela raiz. Venda o seu elefante branco para quem vai fazer bom uso dele, e se empenhe naquilo que vai realmente atender às suas necessidades, sem exagero, e sem pressa. Viva mais, e preserve o seu casamento.

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