LEIA A BULA ANTES DE USAR

por:
Ricardo Schwalfemberg

07 de Março de 2021

Dicas e Decisões

Me lembro como se fosse hoje, apesar de ter acontecido mais ou menos trinta e cinco anos atrás – a gente vai ficando velho, e fica mais fácil lembrar dessas coisas do que lembrar do que comeu no café da manhã – da excitação de comprar o meu primeiro equipamento modular de som. Se hoje o caminho é o do minimalismo, fazendo tudo caber em um smartphone, naquela época seguíamos o rumo inverso, e o top era sair do 3 em 1 para um rack onde cada mídia tinha um aparelho próprio. Se ocupasse metade da sala, era um sucesso. Saí do trabalho e fui para o Shopping, decidido a comprar. Comprei, e fiz questão de levar para casa eu mesmo, para não ter que esperar a entrega. Cheguei em casa e saí desempacotando tudo, fazendo uma bagunça de pedacinhos de isopor pela sala toda. Quase duas horas montando, conectando fios, mudando as coisas de lugar na estante para caber e pronto! Tudo montado quase onze da noite. Ligo o “Power” e ... nada! Saio desesperado revendo conexões e cabos e... nada!

Como último recurso, pego o manual de instruções e vejo uma advertência logo na primeira página: “Antes de montar o equipamento, certifique-se de remover o parafuso de proteção de transporte”. Parafuso esse que ficava na parte de baixo do conjunto, o que fez com que fosse preciso desmontar tudo para chegar a ele. E ao chegar ao infeliz, descobri que era um parafuso Philips, e não de fenda comum, e – adivinhem – eu não tinha uma chave Philips! Às duas da manhã, em uma época em que lojas 24 horas eram uma raridade, foi uma ducha de água gelada. Eu poderia ligar para o meu pai, pois sabia que ele tinha uma chave dessas, mas o medo de ser deserdado falou mais alto.

No dia seguinte, logo cedo, fui comprar a tal chave. Aproveitei também para comprar pelo menos um CD, já que não adiantaria nada o equipamento sem a mídia. E aprendi que não se deve sair montando equipamentos sem ANTES ler o manual de instruções, não se deve assinar documentos sem ANTES ler – e entender – o seu conteúdo, não se deve tomar medicamentos sem ANTES ler atentamente a bula, e não se deve aderir a nenhum investimento sem ANTES ler – e entender – a lâmina ou prospecto daquele ativo.

Aliás, bulas de remédios e prospectos de fundos de investimentos têm muito em comum. A primeira semelhança é o quanto ambos são desprezados pela grande maioria dos usuários. Investidores aderem a Fundos de Investimentos por indicação de amigos ou “orientação” de gerentes de banco da mesma forma que se automedicam porque a vizinha tomou aquele remédio e “funcionou que foi uma maravilha”. Se a automedicação é altamente perigosa, investir baseado apenas “no que tem rendido”, ou por dicas de curiosos, pode ser um tiro no pé.

Os dois se parecem também porque os cuidados são os mesmos. Medicamentos e investimentos exigem entendimento da composição, da posologia, indicações e modo de usar, dosagem recomendada, efeitos colaterais, advertências e contraindicações. Ao ler a bula de um medicamento, talvez você pense duas vezes antes de se medicar, procurando maiores informações de seu médico, e se considerarem que os males são maiores que os benefícios, talvez os dois, juntos, partam para uma abordagem alternativa. Da mesma forma, a leitura do prospecto pode esclarecer o futuro investidor sobre riscos que ele não esteja disposto a correr. Se optar por aderir, saberá onde está entrando, e se ainda restarem dúvidas, poderá buscar a orientação de um profissional que o assessore na decisão.

Pensando na “bula” do Fundo de Investimento, primeiro, temos que entender quais são os princípios ativos que o compõem. A carteira de ativos apresenta a composição, com percentuais mínimos e máximos permitidos para cada um. As indicações se referem ao perfil (conservador, moderado ou agressivo) de investidor ao qual determinado fundo se destina. A posologia representa a dose indicada de determinado investimento, de acordo com os objetivos do investidor, o que pode influenciar nas escolhas de liquidez e volatilidade. Os efeitos colaterais são os riscos que cada ativo pode expor o investidor, o que leva às contraindicações, como por exemplo pensar que investimentos de baixa liquidez ou alta volatilidade se aplicam à formação de reserva para emergências.

Que bom seria se existisse um medicamento que curasse, ao mesmo tempo e eficientemente – dor de cabeça, diarreia, indigestão, gripe, unha encravada e mau hálito, né? Só que não! Da mesma forma que não existe o remédio milagroso e polivalente, procurar pelo investimento perfeito é tão tosco quanto indicar algum investimento como perfeito. O que é bom para mim pode não ser tão bom para você. Mesmo para a minha carteira pessoal, alguns investimentos são bons dentro de um contexto de longo prazo, mas contraindicados se o assunto for a minha reserva para imprevistos, ou para os meus objetivos de curtíssimo prazo.

Mas ninguém é obrigado a entender tudo o que ler. Se o manual de instruções for complicado de mais, procure um técnico. Se o contrato contiver um excesso de data vênias”, procure a assessoria de um bom advogado. Se a bula o assustou, não se automedique, tenha o acompanhamento médico adequado. E se os prospectos parecerem sopas de letrinhas, fale com o seu Planejador Financeiro. E não acorde o seu pai às duas da manhã para pedir uma chave Philips emprestada...

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